Juarez Machado: um homem, uma mulher, uma bicicleta, um achado
A exposição “Juarez Machado — Volta ao Mundo em 80 anos” inaugurada no Museu Oscar Niemeyer em 2 de junho expõe a obra do multiartista catarinense Juarez Busch Machado, apresentando sua trajetória sinuosa e seu surrealismo elegante numa exposição abarrotada de obras, cores, lascívia e bicicletas. Nas palavras do seu irmão e também curador da exposição, o espaço expositivo representa os ateliês do artista e a própria individualidade do mesmo.
A história
Juarez nasceu em Joinville/SC em 16 de março de 1941. Agraciado por um ambiente propício para a imaginação e criação, o artista se tornava Juarez Machado. “Na casa dos meus pais, as paredes eram repletas de verdadeiros quadros pintados pela minha mãe. Entalhes de madeira esculpidas pelo meu pai. Coleção de relógios de parede, carrilhões, armas antigas e realejos. Pratos bem pintados, leques e centenas de fotos registradas pelo meu pai” Filho de João de Oliveira Machado, um caixeiro viajante que também fazia entalhes e fotografava, e de Leonora Busch Machado, talentosa operária que pintava leques em uma ainda pequena fábrica local (Companhia Hansen).
Desde cedo teve contato com as artes — todas as noites a mesa de jantar se transformava em um pequeno atelier onde os irmãos, Juarez e Edson, começaram seus rabiscos — o primeiro desenho de Juarez foi aos três anos de idade, um tanque de guerra em um canto de jornal. Apesar da pré-disposição e o incentivo pela família, o meio artístico na época era o caminho dos excêntricos e dos divergentes. Algo que poderia causar certa perturbação social. “Eu nasci em Joinville, uma cidade industrial, com vocação para a indústria, e todo o meu grupo, toda a sociedade da época, queria ser engenheiro, médico, operário das fábricas. Eu nunca pensei em nada que não fosse dentro da arte. Desde pequeno, queria ser um artista. E era difícil, porque, dentro de um grupo em que você é diferente, isso acaba criando conflitos. Tive vários momentos da minha vida com dúvidas — ‘Puxa, será que estou certo, será que eu sou o único que está certo? Eu quero ser artista em uma terra, em um período em que não é importante isso’.” Relata Juarez.
A dificuldade de Juarez para desenvolver seu talento artístico e participar de atividades culturais se dava pelo fato de Joinville estar passando pela pós-segunda guerra e com uma explosão de imigrantes. A cidade possuía uma cultura voltada para o trabalho, frisando o risco do empreendimento e acentuando que, com o trabalho e a disciplina era possível alcançar a independência econômica.
Seu primeiro emprego foi aos 16 anos em 1958 foi na Gráfica do Laboratório Catarinense Ltda., onde desenhava para o Almanaque Renascim, fazendo pequenos anúncios, cartazes e rótulos de remédios. Aos 18 anos Juarez foi servir no 62º Batalhão de Infantaria e inicialmente foi reprovado, porém, um capitão chamado Pedro Ivo o conhecia e sabia de sua habilidade com desenho pediu por sua aprovação para que ele fizesse desenhos e pinturas para o quartel.
Para Juarez, seu período no quartel era temporário. Sua intenção era ir para a cidade grande e encontrar pessoas que pensassem como ele, porque queria ser artista e seguir o caminho das artes. Assim, no início da década de 1960 foi estudar na Escola de Belas Artes em Curitiba/PR, onde logo começou a participar de exposições artísticas, ganhando seu primeiro prêmio pela obra “Operários do Itaum”.
Durante seu tempo em Curitiba, após visitar a TV Paraná pela faculdade, ele resolveu oferecer seus serviços a emissora, com portfólio na mão e boa pinta na cara. “Botei um terno, uma gravata e tal…eu tinha 19 anos e cara de 13, era muito menino. Fiz um ar de mais velho. Pus embaixo do braço a minha pasta com todos os meus desenhos e meu talento. Até comprei um maço de cigarros! Tudo para me fazer de homem, para me fazer de mais velho…Cheguei lá fumando, com cara de mais velho, e disse ‘Olha, eu sou bacana, sou talentoso e quero um emprego aqui’. O diretor da televisão era o Aloísio Finzeto, um homem da maior sensibilidade, um homem espetacular, que me mandou apagar o cigarro, porque eu não tinha idade para fumar, para fazer aquela pose toda. Viu meus desenhos e me contratou como cenógrafo da TV Paraná. Era aquela coisa improvisada, mas foi um período delicioso o tempo que passei em Curitiba.”
Trabalhando como cenógrafo na TV Paraná ele descreve o quão pobre foi aquele período para a televisão. “Eu me negava a pintar em cinza e usava o amarelo para dar uma luz melhor. A gente misturava pó de sapato preto, pó xadrez amarelo e alvaiade branco para fazer essas misturas com o pó, a água e a cola. A televisão era tão pobre que chegou um momento em que não tinha mais dinheiro para comprar cola. Então, a gente pintava só com pó e água.”
Porém como consequência de usar apenas água, com as altas temperaturas dos spots de luz o cenário secava durante o programa e o que Juarez tinha desenhado ia tomando outras formas por conta da deformação, mas no final do programa curiosamente o público telefonava dizendo ‘Que maravilha um cenário que se move, um cenário que se transforma!’.
Juarez conta que a televisão era um emprego por prazer e idealismo, apenas por amor à arte. “Mais tarde, isso tudo acabou refletindo na minha pintura. A minha pintura é a soma de todas essas vivências e que, antes de mais nada, é muito honesta.”
Buscando por novos ares e espaços, mudou-se para o Rio de Janeiro em 1965. Participou intensamente nos movimentos culturais e artísticos da cidade. Trabalhou como chargista e cartunista nos principais jornais e revistas da época no país. Ilustrou dezenas de capas de discos, de cadernos e de livros para diversos autores. Desenhou para Oscar Niemeyer. Criou cenário para peças teatrais, shows musicais e espaços culturais. Foi pioneiro na publicação de livros infantis de imagens sem texto.
Foi responsável por diversas vinhetas, aberturas e chamadas dos programas, também por inúmeros cenários e figurinos, dentre eles, os humorísticos “Faça Humor não Faça Guerra” e “Balança, mas não cai” e o infantil “Balão Mágico”. Também trabalhou na produção de videoclipes e musicais de artistas como Elis Regina, Roberto Carlos, Raul Seixas, Emilio Santiago, entre outros. Em meados da década de 70, se popularizou no país inteiro ao atuar como um personagem mímico interagindo com os próprios desenhos, exibidos durante o programa “Fantástico”.
No final dos anos 70 era muito prestigiado, trabalhava na Globo e vivia bem. — Dizia ter um belo apartamento e 3 empregadas. Mas sentiu que precisava mudar tudo, se renovar e estudar. Foi quando ele parou com a televisão e foi para Londres, dedicando um ano estudando em um ateliê, se aprofundando dentro dos museus e se dedicando somente à pintura. O que o distanciou do grande público, mas ele achava que precisava dessa distância para chamar o público para seu outro universo — as pinturas.
No início dos anos 80, se mudou para Paris fixando residência em Montmartre, onde está localizado o seu principal atelier. Em constante produção, mantém ativos outros dois — em Joinville e em Copacabana no Rio de Janeiro — sua casa oficial no Brasil.
A arte de Juarez foi fonte de inspiração para o filme “Le fabuleux destin d’Amélie Poulain” (2001), do diretor francês Jean-Pierre Jeunet.
A figura feminina é muito presente nas obras de Juarez, curiosamente ele não teve modelos posando para que as pintasse e não nega que as mulheres que pinta podem ser uma imagem de si mesmo. Gravou sobre a tela seu cotidiano e convivência com as mulheres de sua vida. O diretor francês se atraiu pelas paisagens de cores saturadas, diferente das cores que são iluminadas pelo sol, mas se relacionando mais com a luz do spot, a luz artificial que reproduz o prestígio do cinema e do teatro. A luz não precisa iluminar a mulher porque ela já emana sua própria luz.
Algumas obras presentes na exposição
A bicicleta é um item icónico nas obras de Juarez, pois o catarinense sempre relembrou suas raízes em Joinville, conhecida como a cidade das bicicletas.
A anatomia é uma das coisas mais importantes dos artistas, seja distorcendo a forma, estilizando. Estudo de anatomia no mais extremo. Estudo forte da anatomia que aprendeu na escola de belas artes em Curitiba com os professores Theodoro de Bona e Guido Viaro.
O trem que não chegou (1971, repintado em 2017)
A obra representa o pai caixeiro viajante esperando um trem que nunca chega. O quadro foi pintado no dia que o pai faleceu. Juarez estava no Rio de Janeiro na época. Na parte traseira da pintura há anotações pessoais de Juarez.
O Poeta E O Rio Itajaí-Açu (1999)
Esculturas desde a sereia até um barco à deriva. Água ou líquidos presente em várias das telas. Homenagem ao amigo poeta Lindolfo. Vivia às margens do rio que inundou. Poeta nu em plena liberdade e livre de vaidade, deixando seus poemas voarem sem medo de quem os leia.
Um quadro emblemático que irradia para os outros quadros, criando nichos. Elementos teatrais, Rio de Janeiro, Litoral de SC, sempre com o elemento humano e gestual, figuras não simétricas, sempre dando a impressão de movimento. Quase como uma dança entre as figuras humanas. Quadro com máscara azul. Expressionismo alemão, quase uma esgrima.
Julgam Juarez como um artista elitista que manifesta elementos da elite, como pratarias, champanhe e locais luxuosos. Porém, a temática é proposital, procurando provocar uma reação no público.
Pinturas sem pupilas, apenas autorretratos com pupilas, apenas o criador tem a ciência de existir. Talvez seja uma relação com o teatro. Porque ele teve experiência com o teatro, foi chamado para atuar. Então talvez os rostos sejam como as máscaras símbolo do teatro. Os rostos que trazem expressividade da máscara.
Oração; Via do Povo e As Águas Santas de Roma
Os três quadros em exposição são: ‘Oração’, com várias igrejas históricas dentro da Basílica de Santa Maria Maior. ‘Via do Povo’, com imagens de pessoas de todos os tempos de Roma. E ‘As Aguas Santas de Roma’, o rio ‘Tibre’ com a ilha ‘Tiberina’. No fundo do quadro, a pia de água benta esculpida em mármore por Bernini e na paisagem, o castelo de Sant’Angelo.
Marché Aux Puces (Mercado de Pulgas)
A pintura é sobre um mercado de pulgas que existe ao norte de Paris desde 1870. Tendo diversos tipos de coisas, desde botões de camisa até móveis e roupas de marca usadas, tornando impossível ver tudo. Porém, têm pessoas do mundo inteiro procurando pela ‘Lâmpada do Aladin’ para encontrar um tesouro. O atelier de Juarez em Montmartre foi totalmente mobiliado com peças compradas no mercado de pulgas. O quadro representa as memórias e lembranças de casa visita que ele fez ao mercado.
Venezia Sommersa — III Ponte di Rialto
Essa pintura representa a histórica ponte de Rialto como se estivessem submersas, apesar de alguns indícios da cidade estar afundando Juarez diz que isso é uma grande mentira, a ‘Acqua-alta’ ou ‘maré alta’ é um fenômeno natural que acontece nos meses de outono e inverno. Juarez pintou a ponte pois queria tê-la em sua memória para sempre.
Aspettando L’Arrivo di Marco Polo
Pintado em homenagem a um de seus heróis, Marco Polo. O grande mercador, embaixador e explorador. Veneziano, nasceu em 1254 e morreu em 1324. Ao fundo está a Praça de São Marcos. Juarez diz a si mesmo “Artistas, escritores, mundanos, nobres, ricos, pobres, amantes e até mesmo suicidas, passam um tempo em Veneza, na esperança de encontrar a eternidade.” as duas colunas da entrada da praça, parte do Palácio do Doge, e mais a fundo, a Basílica de São Marcos. Ao lado direito, o antigo mapa ilustrado da cidade com suas ilhas. Em primeiro plano, homens e mulheres com máscaras de carnaval, esperando as relíquias do oriente que Marco Polo traz em seu navio.
Chateau Bordeaux
A pintura fez parte de uma grande exposição cultural que homenageia os castelos da região de Bordeaux. Juarez foi um dos 11 artistas convidados para pintar seis quadros dos interiores dos castelos. Os artistas pintaram fachadas, jardins, plantações, etc. Sempre representando a riqueza da história, objetos, móveis, obras de arte e relíquias de Bordeaux.
Gato acompanhando um casamento
As noivas de Juarez sempre despidas, sem a intenção de malícia nem representando liberdade, mas sim a exposição aos olhares de maldade e inveja. Convidados obrigatórios debochando de sua roupa, de seu penteado ou de seu comportamento. Um sorriso discreto que oculta suas verdadeiras intenções. Sobre o noivo ninguém fala, não vale sequer o olhar, apenas o comentário sobre aparência ou riqueza. “[…] A bela noiva com um sorriso triste a caminho da forca, como uma condenada mesmo feliz, com uma lágrima de falsa alegria. Também fico triste quando a vejo sendo atacada…Peço mil desculpas para todas as noivas nuas que pintei e desejo mil felicidades”, finaliza o artísta.