O processo por trás do requintado sabor do café especial

Arion Wolff
5 min readDec 1, 2023

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O café da manhã e da tarde são uma tradição no Brasil inteiro, colocando o país na segunda posição como maior consumidor de café no mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. O café é a segunda bebida mais consumida globalmente, perdendo apenas para a água.

O Brasil se destaca como o maior produtor mundial de café. No ano de 2022, o país exportou aproximadamente 2,2 milhões de toneladas, correspondendo a 39,4 milhões de sacas de café. As exportações brasileiras alcançaram 145 países, sendo os principais destinos os Estados Unidos e a Alemanha, seguidos pela Itália, Bélgica e Japão.

O café e sua relação com o mundo

O café tem suas origens nas terras altas da Etiópia, no continente africano, em uma região chamada Kaffa. Embora a palavra “café” não tenha sua origem em “Kaffa”, ela vem da palavra árabe qahwa, que significa “vinho”. Quando o café chegou à Europa no século XIV, ficou conhecido como o “vinho da Arábia”.

A história do café é tão antiga que se tornou uma lenda, contando que um pastor chamado Kaldi percebeu que suas ovelhas ficavam mais agitadas e conseguiram percorrer longas distâncias ao comer as folhas e frutos da planta de café. Ele decidiu experimentar os frutos e sentiu o efeito energético. Depois, ele informou aos monges da região sobre os efeitos da fruta, e eles começaram a utilizar uma infusão dos frutos para se manterem acordados enquanto oravam.

O cultivo do café se desenvolveu inicialmente na Arábia, onde a fruta era consumida in natura. Somente no século XVI, na Pérsia, o café foi torrado pela primeira vez para ser transformado em bebida.

O processo de produção do café

Desde o grão até a xícara, o café passa por vários procedimentos, começando no cafezal. O arbusto do cafeeiro produz café apenas uma vez por ano, no inverno. Embora o que consumimos seja a semente, o café é, na verdade, um fruto.

O grão pode ser colhido manualmente ou por máquinas especializadas. Após a colheita, é necessário extrair o grão da fruta e iniciar o processo de secagem, colocando as sementes em um grande terreiro, onde o café é espalhado no chão. O tempo de secagem varia de 8 a 30 dias, dependendo do tipo de café, da superfície do terreiro e das condições climáticas.

O penúltimo passo antes de obtermos o pó de café que conhecemos é a torra. A torra do café é uma das partes mais importantes do processo, pois envolve expor o grão a temperaturas progressivas e rápidas para reduzir a umidade interna. Durante o processo, os grãos são constantemente mexidos para que a torra seja uniforme, e existem máquinas específicas para esse processo.

Todas as etapas do processo mencionadas aqui têm impacto no sabor do café, mas a torra em particular possui o famoso “ponto de torra”, que pode definir o sabor da bebida. Daniel Munari, especialista na área desde 2011, que já trabalhou no Ditta Artigianale, em Florença, uma das cafeterias mais renomadas do mundo, e participou do programa internacional “Barista & Farmer”, explica como o processo de torra afeta o sabor do café.

“No processo de torra, ocorrem transformações físicas e químicas. As transformações físicas são as mais fáceis de serem observadas, como a mudança de cor do grão, que vai do verde ao marrom. […] As mudanças químicas são as mais importantes, pois são elas que transformam o sabor. Temos algumas reações químicas complexas acontecendo, como a caramelização. Os açúcares naturais presentes no grão caramelizam durante o processo de torra, resultando em notas que lembram caramelo, chocolate, mascavo, que se tornam mais evidentes devido a essas reações.”

A reação de Maillard

A reação de Maillard está presente em diversos alimentos e ocorre quando aminoácidos ou proteínas, carboidratos e temperaturas de 120 graus Celsius ou superiores estão presentes. A temperatura elevada faz com que esses elementos iniciem uma reação em cadeia, formando moléculas instáveis que desenvolvem sabores e aromas distintos no café.

“Na reação de Maillard, os aminoácidos, proteínas e açúcares sofrem reações de transformação. Durante essas transformações, ocorre a quebra das cadeias longas de carboidratos e flavonoides, que trazem sabores característicos. É basicamente o mesmo princípio de provar uma massa de pão crua e, em seguida, prová-la depois de assada. Os sabores são diferentes, e isso ocorre graças a essa reação chamada Maillard”, explica Daniel.

As cores e os aromas da torra do café

A torra do café é um fator determinante para o seu sabor, e existem três tipos de torra. A torra clara do café realça o aroma e a acidez, mas tem um sabor menos intenso. A torra média do café equilibra características-chave, como acidez, aroma e amargor, destacando as qualidades do grão. Por fim, temos a torra escura do café, que resulta em um café menos ácido, mais amargo e menos encorpado, sendo conhecido como café “forte” — quanto mais torrado, mais amargo.

“Uma torra de qualidade geralmente apresenta uma cor marrom médio, não sendo nem muito clara, o que indica um café subdesenvolvido ou pouco torrado, nem muito escura, o que seria considerado um defeito, geralmente ocorrendo quando há óleo vertendo do café, deixando-o com uma aparência brilhante. Esse é o primeiro indicativo. Além disso, o cheiro do café também pode ser percebido. O café deve ter um aroma doce e agradável, às vezes frutado. Não deve ter cheiro de borracha, carne queimada ou asfalto, pois esses são cheiros desagradáveis associados a torras mais escuras”, explica Daniel.

Café Arábica e café Robusta: o profissional e o popular

O café Arábica tem sua origem na Etiópia e recebeu esse nome devido à sua disseminação na região da Arábia há milhares de anos. Embora seja cultivado em todo o mundo, o Arábica é uma planta sensível e precisa ser cultivada em altitudes superiores a 800 metros. O Arábica lidera o mercado, correspondendo a mais de 60% da produção mundial de café. Ele possui mais açúcares naturais, resultando em um sabor mais adocicado e suave. É utilizado principalmente em cafés especiais ou gourmet, de acordo com o Moka Clube.

A barista Amanda Ferreira, formada pela Specialty Coffee Association (SCA) e com 8 anos de experiência na área, explica porque o café Arábica é mais utilizado em cafeterias. “O Arábica possui uma variedade de sabores, inúmeras possibilidades de extração e perfis de torra. Basicamente, é possível explorar mais com ele. A definição de café especial está relacionada à qualidade e complexidade do aroma, corpo, acidez e doçura, por isso faz sentido utilizar mais o Arábica do que o Robusta”, explica Amanda.

O café Robusta, conhecido principalmente pela variedade Conilon, tem origem no Congo, na África. Ele não precisa necessariamente ser cultivado em regiões de alta altitude e é mais resistente a pragas e doenças. Esses são fatores determinantes para que o Robusta tenha um custo de produção mais baixo e, como resultado, um preço mais acessível. O Robusta e sua variação Conilon são amplamente utilizados na produção de cafés solúveis, os típicos cafés de mercado, que passam por processos de torra e moagem mais extremos, resultando em um sabor mais amargo.

“Embora algumas cafeterias, inclusive no Brasil, usem o Robusta em algumas misturas para desafiar o conceito de que ele é um café de baixa qualidade, essa ideia é relativamente nova e nem todos os baristas a aceitam. Na minha opinião, o problema com o Robusta não está na sua origem, mas sim na forma como ele é comercializado”, conclui Amanda.

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